Severino Celestino da Silva

A palavra justiça em seu termo original se escreve -צדק- tsédek, em hebraico e pode também se falar em tsedaká (caridade) com o mesmo significado. Estes termos podem se referir tanto à justiça divina como a justiça humana.

A dedicação do povo hebreu com o ideal de justiça está presente em sua história e registrada nas páginas da Bíblia desde Abraão até Jesus. De Jesus passou aos seus sucessores, os apóstolos e depois se prolonga até o presente com a nossa terceira revelação, a Doutrina Espírita.

No povo hebreu é difícil separar o ideal de justiça, de todos os demais valores éticos criados na vida judaica e com os quais ele está sempre associado. Estes ideais de justiça parecem equilibrar-se uns aos outros numa harmonia integrada entre ideia, sentimento e prática.

Foi assim que Abraão parece ter iniciado o processo como podemos ver em Gênesis 15:6: “Abrão creu no Senhor, e isso lhe foi creditado como justiça”. Moisés continuou no mesmo caminho e os profetas aprofundaram ainda mais este conceito. O profeta Isaías orientou neste sentido quando afirmou: “Busquem a justiça, aliviem os oprimidos, fazei justiça aos órfãos, defendei a causa das viúvas”. Is. 1:17.

Miqueias apresenta uma orientação digna de registro: “Foi-te anunciado, ó homem, o que é bom, e o que Iahvé exige de ti: nada mais que praticar a justiça, amar a bondade e andar humildemente com o teu Deus.” (Miq. 6:8)

O salmista afirma que “O Justo floresce como a palmeira na plenitude da força e como o cedro do Líbano na casa do Senhor”. Sl. 92: 13 e 14.

O Salmo 18:21 afirma: “Iahvé me trata segundo a minha justiça”.

Na Bíblia, a “justiça” é fortemente comparada com a “misericórdia” ou com a “graça”, como podemos observar na citação de Isaías 45:19: “Não falei em segredo, em recanto obscuro da terra. Eu não disse à descendência de Jacó: Procurai-me no caos! Eu sou Iahvé que proclamo a “justiça” que revelo o que é reto”.

Jesus pregou a justiça com a mesma ênfase e respeito que os hebreus a viveram na Primeira Revelação ou Velho Testamento. Ele declarou este respeito em muitas ocasiões de seus ensinamentos, no Novo Testamento. Podemos citar “Avante, os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Mt 5:6. (tradução nossa)

“Avante, os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus”. Mt. 5:10. (tradução nossa)

Não penseis que vim revogar a Torá ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido um só “IUD” (menor letra do alfabeto hebraico) da Torá, sem que tudo seja realizado. Aquele, portanto, que violar um só desses menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo, será chamado o menor no Reino dos Céus. Aquele, porém, que praticar e ensinar, esse será chamado grande no Reino dos Céus. Com efeito eu vos asseguro que se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus. Mt 5:17-20. (Bíblia de Jerusalém)

Fica claro nestas colocações de Jesus, que ele estava de acordo com aqueles que o precederam através dos ensinamentos da Torá e que ninguém pensasse num julgamento errôneo de que esta JUSTIÇA era algo desvinculado do que se achava revelado nas Escrituras da Primeira Revelação (Torá e os Profetas).

Jesus fez questão de desfazer qualquer equívoco neste sentido afirmando nos versículos acima, que mais do que confirmar a Primeira Revelação, Ele viera para lhes dar  cumprimento.

Jesus coloca ainda em Mateus 16:27; 25:31 um alerta lembrando sobre o que está escrito no Salmo 62:13 e em Ezequiel 18:21-32 que falam da colheita pessoal, segundo as nossas obras. Jesus lembra em uma espécie de profecia na qual Ele mesmo será este cobrador na colheita futura e infalível de
acordo com as nossas semeaduras durante a nossa existência. É assim, que Ele nos adverte: “Pois o Filho do Homem há de vir em sua glória e então retribuirá a cada um segundo suas obras.”

Alan Kardec chega no século XIX, e traz grandes esclarecimentos com as obras da codificação Espírita. No quarto livro da Codificação, O Céu e o Inferno (ou “A justiça Divina Segundo o Espiritismo”) apresenta um caráter de Justiça racional e de colheita pessoal, porque constrói uma nova teoria acerca do julgamento espiritual dos seres humanos, descrevendo o processo, as partes, o sistema jurisdicional e, como tema marcante, as penas e os gozos (presentes e futuros).

A lei de Causa e Efeito é apresentada com racionalidade e segundo os ensinamentos da Torá, dos Profetas e de Jesus.

Kardec assinala que o espírito na vida espiritual, sofre as consequências de todas as imperfeições de que não se despojou, durante a vida corporal. O estado de felicidade ou infelicidade é inerente ao grau de sua purificação ou de suas imperfeições. Acrescenta que toda imperfeição representa, às vezes, uma causa de sofrimento e de privação de alegria, da mesma forma que toda qualidade adquirida é uma causa de alegria e de atenuação dos sofrimentos.

A lei do progresso traz para o espírito a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta e de se desfazer do que tem de ruim, segundo seus esforços e vontade. Assim sendo, o futuro não é fechado a nenhuma criatura. Deus não repudia qualquer de seus filhos. Recebe-os em Seu seio, à medida que atingem a perfeição, deixando assim a cada um o mérito de suas obras.

O espírito é senhor do seu próprio caminho na jornada para o futuro. Pode prolongar seus sofrimentos, pelo endurecimento no mal, ou suavizá-los e abreviá-los, pelos esforços de fazer o bem.

Deus jamais abandona os espíritos, independente do grau de inferioridade e de perversidade. Todos possuem um anjo da guarda que os vela, acompanha os movimentos da alma e se esforça por inspirar-lhes bons pensamentos, o desejo de progredir e de reparar o mal que tenham praticado.

Nestas reflexões, Kardec traz com esclarecimentos racionais, os ensinamentos da Torá, dos Profetas e do próprio Jesus.  Esclarecimentos consoladores baseados na Justiça Divina que não tem interesse de condenar nenhum dos seus filhos, (Jeremias 31), mas de apresentar oportunidades através de suas leis universais que possibilitem uma nova chance para todos eles.

A racionalidade destes conceitos nos leva a concluir que cada ser carrega consigo mesmo a alegria e a infelicidade e que a Justiça Divina é neutra. Ela nem premia nem castiga, mas na prática e na lógica da razão, necessitamos ficar com a certeza do esclarecimento de Jesus ao afirmar que “A cada um será ofertado segundo suas obras”.