No século XIX, Allan Kardec, pedagogo respeitado na intelectualidade francesa, resolveu interrogar os espíritos superiores a cerca dos grandes enigmas existenciais humanos. Seu método racionalista, seguia a lógica da razão, e o codificador procurava a todo custo valer-se da ciência e da filosofia para estruturar a Revelação Espírita. Após anos de profícuo trabalho, que resultou especialmente nas 5 obras basilares do espiritismo, a saber: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, e A Gênese…; Kardec partiu para a espiritualidade experimentando certamente a paz da consciência do trabalhador que cumpriu o papel que lhe cabia. Entretanto, assim como se deu em relação as outras revelações anteriores, o espiritismo também sofreu alterações na sua simplicidade e por consequência na sua eficiência. E a sanha de religiosos em assassinar a simplicidade do conhecimento espiritual que chega à humanidade contabiliza milênios. Moisés, por exemplo, nos legara a nossa primeira visão mais ajustada da Lei Divina e é certo dizer que era uma visão condizente com a bagagem intelecto, espiritual e moral do ser humano encarnado no século XV antes de Cristo. Tratava-se de uma ótica de mundo ainda amplamente focada nas negativas e proibições, o decálogo, apresenta 8 negativas: Não terás outros deuses diante de mim, Não dirás o nome do Senhor teu Deus em vão, Não matarás, Não adulterarás, Não furtarás, Não dirás falso testemunho, Não cobiçarás a mulher do teu próximo, Não cobiçarás nada que pertença a teu próximo. É de fácil compreensão que embora se tratava de um grande avanço na justiça divina, o decálogo e boa parte do que o médium Moisés nos legou, era uma contribuição voltada a infância da humanidade. As narrativas bíblicas, que no meu entendimento precisam ser analisadas com parcimônia, indicam que foram 40 anos no deserto até a chegada à Terra Prometida. Indica ainda, que Moisés morreu durante esse período não tendo chegado a Israel. Os judeus eram divididos entre as 12 Tribos e de acordo com a tradição judaica, as tribos eram o resultado da divisão entre os doze filhos de Jacó, neto de Abraão. Quem sucedeu Moisés foi Josué, e consta que a terra de Canaã (Israel) foi dividida entre cada uma das 12 tribos. Sendo assim, não é difícil de se chegar a conclusão que cada uma daquelas tribos tinham a sua própria interpretação da lei. Assim, a simplicidade da mensagem deixada pelo primeiro revelador logo foi distorcida, uns não acreditavam na ressurreição, outros só acreditavam no mundo material, outros presavam pela rigidez da visão que tinham da lei mosaica e assim sucessivamente…

E quando o amor veio ter conosco, na figura do Mestre dos Mestres, recebemos enfim a mais pura interpretação da Lei, toda ela ampliada e simplificada pela profundidade singela da frase “Amar a Deus Sobre Todas as Coisas e Ao Próximo Como a Si Mesmo”. Se Jesus deixou-nos toda lei e os profetas (médiuns) nesta simples frase, deixou-nos também o indicativo de que sua mensagem seria deturpada, e fê-lo ao nos dizer “o ajudador, o Espírito Santo a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito” João . Ora, só se pode lembrar do que se esqueceu, e tal se deu. No Século IV, Roma toma conta do Cristianismo e nasce a “Igreja Católica Apostólica Romana”. Já no nome da nova religião pode-se perceber a intenção de destruição e dominação da mensagem de Jesus, afinal, o melhor não seria que o nome fosse “Igreja Católica Apostólica Cristã”? Em verdade a religião que nasceu não tinha quase nada haver com o cristianismo, homens comuns foram erguidos a posição de sacerdotes e o que estes homens diziam ser a Lei, ninguém poderia contestar, dessa forma, Deus e Jesus se tornaram uma só individualidade, Maria foi denominada virgem, criaram o purgatório e assim adiante ao longo dos séculos foram desconstruindo o Cristianismo. No século XVI, a Reforma Protestante vem propor a retomada do Cristianismo, Lutero, Calvino, Jan Huss, entre outros, deixam à humanidade uma grande contribuição em prol do resgate da doutrina de amor que nos deixara Jesus. E como sempre, o que se deu fora a destruição do protestantismo com ramificações da nova doutrina propondo seus dogmas como sendo a verdade cristã. Hoje o que vemos em parte das igrejas evangélicas é uma proposta diametralmente oposta as ideias da reforma protestante, Deus foi colocado na posição de banco, Jesus na função de banqueiro, e homens eleitos apóstolos, bispos, missionários e que tais, portanto legítimos usufrutuários dos recursos “tomados” pela fé sem razão. O espiritismo não poderia ter um roteiro diferente. Após a Revolução Franco Prussiana, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra, o espiritismo havia sido praticamente extinto da Europa, e no Brasil, espíritos que durante séculos encarnaram e reencarnaram no seio do catolicismo, finalmente migraram para o Brasil, e aqui, dessa vez na roupagem da fé espírita, passaram a mudar a racionalidade espírita. O purgatório mudou de nome passando a se chamar umbral, o diabo assumiu a figura do obsessor, os sacerdotes passaram a ser os médiuns e oradores idolatrados pelos fiéis e assim nasceu o espiritolicismo, a terceira religião brasileira em número de adeptos. Será que precisaremos esperar 16 séculos para a Reforma Espírita, assim como foram outros 1600 anos para a Reforma Protestante? A resposta que me parece a mais sensata é: Depende de cada um de nós. Assim, vai aí o convite, estude profundamente o pentateuco kardequiano, e quando for faze-lo, ao chegar no livro “A Gênese, Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo”, quinto livro da obra basilar do espiritismo, procure estudar o livro recém editado pela FEAL, pois estudos comprovam que anos após a partida de Kardec para o mundo espiritual, novamente as trevas atentaram contra a luz, a obra fora profundamente alterada, e somente agora, 150 anos depois da sua primeira edição o quinto e último livro de Allan Kardec volta a simplicidade e pureza do racionalista nascido em Lyon.

Se queremos de fato que a doutrina espírita chegue ao mundo, teremos que antes descatoliquizá-la. Somente assim poderemos enfim gozar de uma doutrina que nos fala de um Deus que é todo amor. De um Pai amoroso que ao invés de punir, educa. E da eternidade de luz que aguarda a cada um dos filhos de Deus.

André Marouço

Gerente de Comunicações da FEAL (Rádio Boa Nova e TV Mundo Maior)

Cineasta, Jornalista e Psicanalista.